Capacidade de concentração tem limite diário, e cérebro exige pausas para descanso, aponta neurocientista; hiperconectividade na rotina afeta sensação de produtividade (Por Bruna Klingspiegel) – Imagens de Divulgação –
Você precisa de quatro horas para terminar todas as suas tarefas do dia no trabalho, mas ainda precisa estar on-line nas quatro horas restantes do seu expediente. Em geral, ou você passa o resto do tempo se sentindo mal por não estar produzindo ou você passa o dia procrastinando para finalizar as tarefas e acaba tendo que fazer até horas extras. No final das contas, você fica esgotado, não produz o suficiente e também não descansa.
Não importa o número de horas que você fica na frente do computador tentando terminar uma planilha, por exemplo, existe um limite para o nosso cérebro e, se não há descanso, nossa capacidade produtiva cai e a frustração toma conta, explica Thais Gameiro, neurocientista e fundadora da consultoria Nêmesis.
“Quando estamos concentrados, a gente usa uma parte do cérebro chamada pré-frontal. É nela que conseguimos manter nossa atenção a detalhes e permite que a gente tome decisões”, explica. Esse é um processo que demanda muita energia do nosso corpo, diz ela, então quanto mais pesado é o nosso dia em relação a essas habilidades, maior o cansaço e o esgotamento. “A gente até consegue se forçar a continuar trabalhando, mas no dia seguinte você vai perceber que enviou um e-mail errado, esqueceu alguma data ou não deu a atenção devida a algum detalhe importante.”
A capacidade produtiva envolve muitas variáveis, de acordo com a neurocientista. O bem-estar financeiro, por exemplo, está relacionado a um sinal de sobrevivência. É o salário que paga aluguel, alimenta e paga as contas. Assim, engajamento, propósito, alimentação e descanso também são pontos importantes de atenção.
Sabe quando você está travado em algum problema e não consegue encontrar nenhuma solução para ele? Chegou a hora da pausa para o cafezinho, recomenda Thaís. Esse é um momento crucial que contribui para sua produtividade. Mas existe um número ideal de horas de trabalho por dia? Não há uma resposta exata, sentencia, mas não costuma passar de seis horas diárias para a maioria das pessoas.
“Quando estamos trabalhando focados, a gente está ativando uma rede que é chamada de TPN. Quando você está se distraindo, tomando sua água ou batendo um papo leve, você está ativando uma outra rede chamada DMN, responsável por ajudar a gente a ser mais criativo. O ócio é indispensável para a saúde. Sem descanso, a criatividade e, como consequência a inovação, são afetadas diretamente”, conclui a neurocientista.
O problema da hiperconectividade
Se a neurociência explica que a capacidade produtiva não condiz com as longas horas de trabalho, sem descanso, por que as pessoas continuam acreditando que “vestir a camisa” é trabalhar até tarde ou responder e-mails enviados às 23h do domingo?
Com a hiperconectividade, a linha que separava o tempo de trabalho e o descanso foi diluída, aumentando também os níveis de estresse entre os profissionais. O trabalho é um fator importante na formação da nossa identidade, explica Wanderley Cintra, psicólogo especializado em avaliação de desempenho. Quanto mais você está envolvido, sem conseguir dividir o que é pessoal e o que é profissional, diz ele, maior os desgastes físico e emocional.
“Por trás daquele elogio ‘você se dedica muito’ vem a expectativa de crescer. Ou seja, quanto mais eu estou entregando em menos tempo, mais rápido eu vou ser alçado a um novo cargo, mas isso nem sempre acontece”, diz Wanderley.
Assim, o desgaste mental está relacionado a coisas muito simples que quase todo mundo sente quando trabalha, seja aquela pressão constante de fazer muitas coisas ao mesmo tempo ou estar sempre disponível para qualquer mensagem no celular, com altas expectativas e dedicação.
Luci Praun, professora do curso de Ciências Sociais da Universidade Federal do Acre (UFAC), explica que a lógica de oito horas de trabalho, oito horas de lazer e oito horas de descanso, comum para o século 19, foi desmontada e deu lugar a flexibilidade na jornada de trabalho, para o bem e para o mal.
“Você tem que ler as centenas de grupos de WhatsApp das empresas. Eles funcionam no fim de semana, na madrugada, não tem horário. Todo mundo quer resolver tudo muito rápido, então é como se fosse uma engrenagem. Eu preciso dar conta da minha tarefa, então vou mandar uma mensagem no Whatsapp avisando que enviei um e-mail, por exemplo”, afirma.
Nós não podemos, no entanto, aponta Thaís Gameiro, considerar que trabalhamos oito horas por dia e 40 horas por semana. A hiperconectividade, diz ela, faz com que nossa jornada seja muito maior, e acabamos ficando 24 horas por dia e sete dias por semana preocupados com o que está acontecendo no trabalho, afetando nosso bem-estar e comprometendo a qualidade do trabalho (ouça abaixo podcast com Thaís sobre foco e concentração).
“Para você conseguir fazer bem o seu trabalho, você precisa ter foco e isso exige muito da nossa fisiologia. Qualquer distração nos atrapalha, ninguém consegue fazer tudo ao mesmo tempo.” Com essa hiperconectividade, há uma relação conflitante e extenuante, conclui a neurocientista, entre o quanto nosso cérebro aguenta trabalhar com qualidade (6h), o quanto somos obrigados a trabalhar por contrato (8h) e o tanto a que precisamos prestar atenção pelo celular (o dia inteiro).
Para isso, reconhecer os limites do seu corpo é importante para não ir além do saudável, sugere Wanderley. “Também saber dizer não para o que não faz parte do seu escopo de trabalho ou você simplesmente você não sabe fazer pode te ajudar a organizar as demandas, sem exagerar.”
Fonte: Estadão