Só em 2020, mais de 902 mil ações abertas contra o INSS demandavam perícia. Em setembro, lei que garantia esse custeio expirou e, agora, o autor do processo tem que arcar com os custos.
Segurados têm que pagar custos com perícia em ações contra o INSS
Pessoas que não estão recebendo nenhum tipo de renda estão tendo que pagar suas próprias perícias médicas caso ingressem com uma ação judicial contra o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).
Isso porque a Lei 13.846/2019, que garantia que o Poder Executivo arcasse com esses custos por dois anos, expirou em setembro deste ano. Desde então, não há lei no país que indique quem deve ficar responsável por desembolsar o valor dos honorários periciais.
Algumas decisões judiciais estão dando a opção do autor da ação arcar com essa despesa, que custa a partir de R$ 200. Os autores dessas ações são pessoas que estão, na via judicial, tentando receber auxílio do INSS por uma incapacidade temporária — o antigo auxílio-doença — ou aposentadoria por invalidez, por exemplo. Ou seja, são pessoas que estão incapacitadas para trabalhar e sem receber auxílio.
Caso essa pessoa não consiga pagar o valor, a ação fica suspensa por 90 dias — prazo em que se espera a aprovação do Projeto de Lei 3.914/2020, que regulamentaria essa situação.
Só no ano 2020, foram mais de 902 mil ações abertas contra o INSS que demandavam perícia.
Sem saída
O autônomo Cidronilio Corrêa, de 58 anos, é curador da Rosália, irmã dele que tem deficiência mental. Há quase dois anos, ele fez o requerimento, em nome dela, do Benefício de Prestação Continuada (BPC) — concedido a pessoas com deficiência.
Sem uma decisão do INSS até o momento, a advogada que o atende levou o caso para a via judicial na tentativa de acelerar o processo. Entretanto, com o fim do custeio das perícias, a Justiça determinou que ele deve pagar os R$ 200 dos honorários periciais para dar sequência à ação.
“Ele está desempregado, tem que passar o dia cuidando da irmã e não consegue sair para trabalhar. É uma situação de miserabilidade extrema, a pessoa está passando necessidade”, afirma a advogada previdenciarista que atende o caso no Espírito Santo, Fabíola Silva.
Para a presidente do Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário (IBDP), Adriane Bramante, não é viável que essas pessoas paguem a própria perícia, especialmente no cenário atual, com os reflexos da pandemia.
“As pessoas não têm dinheiro para comer, para comprar remédio. São pessoas em vulnerabilidade, já estão doentes, já estão incapazes de trabalhar e sem receber o benefício, sem proteção. Ter que dispor de R$ 200 de perícia é uma exigência absurda nesse momento”, afirma.
Em pouco mais de um mês sem lei para regulamentar a situação, a advogada previdenciarista Catarine Mulinari, que atua na capital capixaba, foi procurada por diversos clientes que já enfrentam o problema.
“Uma das pessoas que atendo tem 60 anos e atua como pedreiro. Ele torceu o tornozelo dentro do local de trabalho. O despacho foi que a perícia fosse paga por ele”, conta a advogada. O escritório em que ela trabalha optou por arcar com os custos das perícias desses clientes para que o processo não fique parado.
“Nossa maior preocupação são os segurados que não têm acesso a um advogado que possa custear as perícias”, afirma Mulinari.
A presidente do IBDP afirma que, no momento, ficam privilegiados apenas os autores que conseguem contar com a ajuda financeira dos advogados. “São só os grandes escritórios. Dez, 12, 20 escritórios podem pagar perícia para o cliente. Mas a advocacia não tem a obrigação de pagar esse valor de perícia”, diz Bramante.
PL propõe que custos voltem a ser subsidiados pela Justiça
Historicamente, o poder Judiciário sempre arcou com os custos dos honorários periciais. Entretanto, com o apagão de perícias que ocorreu entre os anos de 2018 e 2019 após alegação de falta de verba para pagar o pagamento do serviço, a Lei 13.876/2019 transferiu, provisoriamente, essas despesas ao Executivo.
Como o prazo expirou no final do mês passado, o Projeto de Lei 3.914/202, de autoria do deputado Hiran Gonçalves (PP/RR), foi criado para transferir novamente esses custos para o Judiciário.
Mas, a pedido do Ministério da Economia, o projeto recebeu uma emenda que torna obrigatório o pagamento da perícia pelo próprio autor da ação, exceto em casos em que for requerida justiça gratuita e que a pessoa seja de comprovada baixa renda — com renda de 1/2 salário mínimo per capita familiar e de renda familiar mensal de até três salários mínimos.
A presidente do IBDP afirma que, desta forma, o PL não contempla pessoas que estão no chamado limbo jurídico.
“Por exemplo, uma pessoa que recebe R$ 4 mil. A pessoa tem renda superior a três salários mínimos, mas naquele momento ela está sem renda. Para o empregador, ele está incapacitado e não pode trabalhar. Para o INSS, ele está capacitado e não vai receber licença. Ou seja, em tese a renda dele é de R$ 4 mil, mas essa pessoa não tem renda nenhuma no momento”, explica Bramante.
Esse é o caso de Hilda da Silva, de 56 anos, que trabalhava como auxiliar de produção de uma fábrica. Ela foi diagnosticada com um problema na coluna, não consegue mais exercer a profissão e solicitou o auxílio por incapacidade temporária.
“Minha firma não me deixa trabalhar porque o médico do trabalho diz que eu não tenho condições. Dei entrada no INSS, mas o perito disse que eu posso trabalhar”, conta ela.
“Agora eu tenho que pagar R$ 200 reais para fazer a perícia. Eu não tenho como pagar, não estou trabalhando, não tenho de onde arrancar esse dinheiro. Estou com quatro contas de luz sem pagar”, desabafa Hilda, que também já descarregando caminhões, plantando arroz e como caseira. “Nunca fugi do trabalho, na vida tudo eu estava topando. Agora eu estou precisando do INSS e eles não estão me atendendo.”
Segundo a advogada, se aprovada do jeito que está, a lei deixará de atender esse contingente de pessoas que também precisam de ajuda com os custos periciais. Bramante acredita que o texto do PL deve ter critérios mais objetivos de gratuidade das perícias, deixando a critério do juízo que está julgando a ação como a pessoa pode comprovar sua situação de vulnerabilidade financeira.
O texto do Projeto de Lei já foi enviado para apreciação do Senado Federal, mas ainda não há data definida para a votação.
Em nota, o Conselho Nacional de Justiça afirmou que acompanha com atenção o desenrolar do assunto, mas que é o Conselho da Justiça Federal que está fazendo as tratativas, uma vez que a medida pode gerar impacto no orçamento da Justiça Federal.
Já o Conselho Federal de Justiça disse que entende que o prazo para que o Executivo efetuasse os pagamentos de honorários periciais expirou em 23 de setembro de 2021. Segundo o CFJ, após essa data os pagamentos só poderão ocorrer com uma lei autorizando a continuidade do pagamento, tal como previsto no Projeto de Lei 3914/2020, em tramitação no Senado Federal.
Fonte: G1