Um projeto no Congresso reduz impostos de empresas que contratarem trabalhadores com mais de 60 anos de idade. O benefício teria duração de 5 anos. Atualmente na CAE (Comissão de Assuntos Econômicos) do Senado, o projeto busca elevar o número de trabalhadores com carteira assinada nessa faixa etária.
Para especialistas ouvidos pelo UOL, a iniciativa parlamentar é justificável, já que são comuns os casos de dificuldade de inserção ou reinserção no mercado de trabalho entre pessoas mais velhas. Mas a solução apresentada —isenção fiscal para contratações— pode não resolver o problema.
O projeto prevê um desconto na contribuição à seguridade social paga pela empresa. Os patrões poderão deduzir, por semestre, um salário mínimo (R$ 1.212) por empregado com mais de 60 anos. Além disso, poderão deduzir da base de cálculo da CSLL (Contribuição Social sobre o Lucro Líquido) o total da remuneração paga ao funcionário com mais de 60 anos.
Como está tramitando em caráter terminativo, o projeto, se aprovado na CAE, irá direto para a Câmara dos Deputados, sem passar pelo plenário do Senado. Isso aumenta as chances de aprovação da proposta neste ano eleitoral, quando a janela de votações no Congresso é menor em função das campanhas.
Preconceito contra os mais velhos Ao apresentar seu parecer, o relator do projeto, senador Telmário Mota (Pros-RR), citou avaliações da OIT (Organização Internacional do Trabalho) sobre o mercado de trabalho para pessoas de mais idade.
Conforme a organização, ao mesmo tempo em que existe uma mudança demográfica em curso, com as pessoas vivendo cada vez mais, há uma rejeição dos trabalhadores mais experientes. A OIT alerta para o ageísmo —discriminação por idade— no mercado de trabalho.
Assim, a proposta relatada por Telmário seria um primeiro passo para reduzir essa discriminação.
Professor da FGV Eaesp (Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas), o economista Renan Gomes de Pieri reconhece que há dificuldades para que pessoas com mais de 60 anos possam se inserir no mercado de trabalho.
No entanto, segundo ele, o diagnóstico da proposta pode estar errado.
A desocupação é maior entre os jovens de 18 a 24 anos, na comparação com as pessoas com mais de 60 anos de idade. E isso piorou na pandemia. Além disso, o projeto pode apenas gerar uma reorganização do mercado de trabalho, com pessoas mais velhas sendo contratadas no lugar de jovens, e não necessariamente uma expansão geral das vagas.
Renan Gomes de Pieri, professor da FGV
O que dizem os números
Dados da Pnad Contínua (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua) do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) indicam que, de fato, a taxa de desemprego é maior entre os mais jovens. A situação também piorou durante a pandemia.
Em estudo publicado em dezembro do ano passado, o Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), com base nos números do IBGE, calculou que a taxa de desemprego na faixa de 18 a 24 anos estava em 25,7% no terceiro trimestre de 2021. No caso da população com mais de 60 anos, o percentual era de 5,4%. Veja as comparações:
Desemprego por faixa etária, em trimestres selecionados:
3º tri de 2019: 25,1% (18 a 24 anos); 10,6% (25 a 39 anos); 7,1% (40 a 59 anos); 4,6% (mais de 60 anos)
3º tri de 2020: 30,6% (18 a 24 anos); 13,9% (25 a 39 anos); 9,9% (40 a 59 anos); 5,3% (mais de 60 anos)
3º tri de 2021: 25,7% (18 a 24 anos); 11,5% (25 a 39 anos); 8,2% (40 a 59 anos); 5,4% (mais de 60 anos)
A taxa de desemprego reflete o percentual de pessoas dentro de cada faixa etária que não estão trabalhando (desocupadas), mas estão disponíveis para isso e tentam encontrar trabalho. Na metodologia do IBGE, as pessoas ocupadas são as que estão trabalhando — seja com carteira assinada ou não.
O projeto em discussão no Senado busca estimular a contratação de pessoas com mais de 60 de maneira formal.
Os dados da Rais (Relação Anual de Informações Sociais), divulgados pelo Ministério do Trabalho, sugerem que, mesmo ao considerar apenas os postos de trabalho com carteira assinada, o cenário para os jovens é mais difícil.
De 2019 (antes da pandemia) para 2020 (auge da crise), o número de pessoas na faixa de 18 a 24 anos com emprego formal recuou 2,13%. No mesmo período, o total da faixa acima de 60 anos subiu 0,88%.
Isenção fiscal não resolve problema, diz especialista
O economista Renan Gomes de Pieri, da FGV, afirma que o custo de contratação de funcionários mais velhos é o mesmo de trabalhadores jovens. “Assim, se o idoso enfrenta dificuldades adicionais, não é por causa do custo de contratação”, avalia.
Segundo ele, a solução para o aumento da empregabilidade na faixa acima de 60 anos passa pela qualificação dos trabalhadores. “Acho oportuno haver políticas para grupos etários”, afirma.
“Mas o caminho do desconto tributário não seria o melhor, principalmente em função do déficit fiscal do Estado. Sou a favor de formação profissional e de políticas voltadas ao empreendedorismo nessa faixa etária.”
Professora de direito do trabalho da PUC (Pontifícia Universidade Católica) de São Paulo e sócia do escritório Abud Marques, Fabíola Marques considera importante a legislação que incentive a contratação formal, seja entre jovens ou entre pessoas mais velhas.
“Principalmente nos casos de quem é discriminado por determinados fatores”, diz a professora. “Sem dúvida, existe discriminação muito grande em função da idade. Nós temos ainda uma dificuldade grande de aceitar pessoas mais velhas em novos postos de trabalho.”
Em seu relatório, o senador Telmário Mota diz que a isenção fiscal é uma “medida parcial”, porque “não contempla a criação de meios de treinamento e de educação profissional destinados aos trabalhadores dessa faixa etária”. Ainda assim, ele vê o projeto como positivo.
Risco de substituição dos jovens
Professor da USP (Universidade de São Paulo) e coordenador do Salariômetro da Fipe (Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas), o economista Hélio Zylberstajn é contrário ao que ele chama de “políticas de exceções”.
“Você começa a fazer isso com os mais velhos e, amanhã, percebe que algo é tirado de outras pontas”, alerta, em referência à proposta de isenção fiscal. Zylberstajn, porém, reconhece que os idosos têm dificuldades para serem aceitos no mercado de trabalho.
O risco, ao se criarem regimes diferenciados, é gerar o efeito substituição. O empresário pega trabalhadores que ficam mais baratos, porque tem o incentivo para substituir.
Hélio Zylberstajn, professor da USP
Para ele, a questão do desemprego em todas as faixas etárias começará a ser resolvida quando o Brasil voltar a crescer. “Não adianta ficar remendando as coisas. Temos uma taxa de desocupação enorme. Com o país voltando a crescer, fica mais fácil para todo mundo encontrar emprego.”
Fonte: UOL