Reajuste de R$ 1.100 para R$ 1.102 teria impacto de R$ 702 milhões nas contas públicas em 2021
Em 1º de janeiro de 2021, o salário mínimo subiu de R$ 1.045 para 1.100. Mas para dar conta da inflação acumulada no ano passado, o salário mínimo deveria ser R$ 2 maior e ter chegado a R$ 1.102, respeitando a regra da Constituição que determina um reajuste periódico para preservar o poder de compra.
Como o novo salário mínimo foi definido antes da inflação consolidada do ano anterior, divulgada em 12 de janeiro, é normal que haja uma diferença. O mesmo aconteceu em 2020, mas o governo corrigiu o valor antes da chegada de fevereiro.
Neste ano, com o Orçamento indefinido no Congresso e uma crise nas contas públicas, ainda não há sinal de que o salário mínimo subirá novamente. Se mantido em R$ 1.100, milhões de empregados, aposentados e pessoas que têm benefícios do INSS vinculados ao salário mínimo nacional deixarão de receber todo mês R$ 2. Em contrapartida, o governo economizaria cerca de R$ 702 milhões. O governo não comentou se vai fazer o ajuste ou não.
Historicamente, o índice de inflação levado em conta para o reajuste é o INPC (que mede os preços para famílias com renda de 1 a 5 salários mínimos). Em 2020, o INPC acumulado foi de 5,45%, acima dos 5,22% projetados pelo governo quando publicou o último reajuste.
Impacto nas contas públicas
Apesar de ser uma diferença pequena, o novo valor aumentaria as despesas do governo em R$ 702 milhões em 2021, segundo cálculos da equipe econômica. Isso porque o aumento do salário mínimo eleva também gastos com pessoal, além de aposentadorias e benefícios previdenciários como o BPC (Benefício de Prestação Continuada).
Além disso, o teto de gastos do governo vai ter um reajuste menor, de 2,13%. Ou seja: enquanto várias despesas subiram mais de 5% por causa do INPC, o governo só pode aumentar seu Orçamento geral em 2,13%.
Governo ou Congresso podem subir o salário mínimo
O último aumento do salário mínimo veio em uma Medida Provisória (MP) do presidente Jair Bolsonaro, publicada em 31 de dezembro. Como houve uma diferença entre o INPC projetado em dezembro e o divulgado em janeiro, a correção do salário mínimo para R$ 1.102 poderia acontecer a qualquer momento por meio de uma nova MP do presidente Bolsoanaro —como foi feito no ano passado.
Em 2020, o governo havia definido que o salário mínimo seria de R$ 1.039, mas esse valor durou apenas um mês. Com a inflação fechando acima do esperado, o presidente publicou em 31 de janeiro uma nova MP, reajustando o mínimo para R$ 1.045.
O UOL perguntou ao gabinete da Presidência da República e ao Ministério da Economia se há previsão de aumentar o salário mínimo para R$ 1.102, mas não obteve resposta.
Como toda MP é submetida à apreciação do Congresso Nacional, começando pela Câmara dos Deputados, os parlamentares também podem fazer esse ajuste. Nesse caso, o processo é mais demorado, já que uma MP tem até 120 dias para ser analisada.
A última MP do salário mínimo, que definiu o valor de R$ 1.100, está parada na Câmara dos Deputados. Ela entrará em regime de urgência (quando terá prioridade legal na pauta) a partir de 19 de março.
Política de ganho real acabou em 2020
Desde 2020, o salário mínimo é reajustado apenas pela inflação, para não perder poder de compra, como determina a Constituição.
De 2007 a 2019, a lei garantia que o piso nacional tivesse aumento real, acima da inflação, sempre que houvesse crescimento econômico, dentro da política de valorização do salário mínimo das gestões petistas.
Essa fórmula de cálculo levava em conta a inflação do ano anterior, medida pelo INPC, mais o resultado do PIB (Produto Interno Bruto) de dois anos antes. Sem essa lei, o governo Jair Bolsonaro decidiu apenas repor as perdas.
O que acontece se o salário mínimo não subir para R$ 1.102?
A Constituição Federal determina que haja um reajuste periódico do salário mínimo para preservar o poder de compra —mas não dá detalhes de como ou quando isso deve ser feito. A última política de reajuste definida por lei valeu até 2019.
Como não há mais uma regra específica vigente, o governo não tem a obrigação de seguir à risca o reajuste pelo INPC.
Segundo Elival Ramos, professor de direito Constitucional da USP, a expectativa é que o próprio governo publique uma nova MP com o valor de R$ 1.102, já que os últimos reajustes foram feitos a partir de projeções do INPC. “Seria uma questão de coerência jurídica”, afirma. Caso isso não aconteça, ele afirma que é papel do Congresso (principalmente por parte da oposição) aprovar um reajuste que garanta a reposição da inflação.
Rodrigo Brandão, professor de Direito Constitucional da Uerj, diz que a política de reajuste é uma decisão dos poderes Executivo e Legislativo. Caberia uma intervenção do Judiciário somente em casos extremos. “Se a postura de nem repor as perdas inflacionários se repetir ao longo dos anos, isso pode justificar uma atuação judicial mais incisiva.”
Élida Graziane, procuradora do Ministério Público de Contas de São Paulo, afirma que o tema dificilmente terá espaço na pauta enquanto o Congresso não aprovar o Orçamento de 2021. “Provavelmente, o Executivo federal adotará a estratégia de aguardar que o Legislativo delibere no PLOA-2021 [Projeto de Lei Orçamentária Anual].”
Salário mínimo ideal
Todos os meses, o Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos) calcula o salário mínimo ideal para o sustento familiar. Segundo o estudo, em janeiro de 2021 o valor para uma família de quatro pessoas deveria ter sido de R$ 5.495,52.
De acordo com a Constituição Federal, o trabalhador tem direito a um salário mínimo “capaz de atender a suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social”.
O professor Elival Ramos afirma que essa é uma norma que estabelece um objetivo a ser perseguido, que não será alcançado com “canetadas”, mas com crescimento econômico. Ele considera perfeita a política de valorização real do salário mínimo que vigorou até 2019, porque permitia um avanço no poder de compra real sem perder de vista o risco da inflação.
Fonte: UOL