O impacto no mercado de trabalho na pandemia fez com que a diferença da taxa de desemprego entre brancos e pretos atingisse seu maior nível desde 2012, quando começou a atual pesquisa do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Segundo especialistas consultados pelo UOL, isso aconteceu porque a crise provocada pelo coronavírus atingiu principalmente atividades econômicas com maior participação de negros, como comércio e construção civil.
No segundo trimestre deste ano, o primeiro completo sob os efeitos da pandemia, a taxa de desemprego geral ficou em 13,3%, segundo a Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) Contínua do IBGE. Ao analisar o dado de acordo com a cor da pele, a taxa de desemprego de pretos ficou em 17,8%, de pardos, 15,4%, e de brancos, 10,4%.
“Os setores onde está tendo a maior quantidade de perda de vagas, maior aumento de desemprego, são setores onde majoritariamente estão os negros. São setores com os piores salários. O comércio é um setor que não paga bem, e onde a maioria são negros”, afirma Mário Rogério Silva, economista do Ceert (Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades).
Para o economista Marcelo Neri, diretor do FGV Social, o aumento da diferença “com certeza” está ligado aos setores mais afetados pela pandemia. “Por exemplo, o trabalho doméstico, que tem uma participação de mulheres negras muito forte. Ou o setor de serviços”, diz.
Construção e comércio foram muito impactados
De acordo com o IBGE, todos os setores analisados pela pesquisa tiveram queda no número de trabalhadores empregados no segundo trimestre, em comparação com o primeiro. Alguns, porém, foram mais impactados.
O instituto destaca os setores que mais tiveram perda de trabalhadores, do primeiro para o segundo trimestre deste ano:
– Comércio: menos 2,1 milhões (-12,3%)
– Alojamento e alimentação: menos 1,3 milhão (-25,2%)
– Serviços domésticos: menos 1,3 milhão (-21,1%)
– Construção: menos 1,1 milhão (-16,6%)
A participação de negros no setor de comércio, por exemplo, é de 45,2%, contra 44,2% de brancos, de acordo com dados do Ceert com base na Rais (Relação Anual de Informações Sociais) de 2018, do IBGE. Na construção essa diferença é maior: 50,2% de negros, enquanto 37,4% são brancos.
Como comparação, áreas com melhores salários e condições de trabalho costumam ter maior participação de brancos, de acordo com o economista do Ceert. É o caso de bancos, que possuem 76,2% de brancos contra 23,1% de negros, e de empresas aéreas, onde a relação é de 68,9% para 29,7%.
Com informais, diferença seria maior
Esses números levam em conta apenas trabalhadores com carteira assinada. Se fossem incluídos os informais, a diferença entre os grupos poderia ser ainda maior. “Os negros são os que mais sofrem com a informalidade”, afirma Mário Rogério Silva.
“O setor informal, de uma maneira geral, foi mais afetado do que outros segmentos. O setor de serviços, de comércio, que abriga boa parte da informalidade e da baixa renda, (foi impactado) por causa do isolamento social”, diz Marcelo Neri.
Desemprego é só ‘a ponta do iceberg’ Marcelo
Neri destaca, porém, que a taxa de desemprego é apenas “a ponta do iceberg”. Outros indicadores de trabalho evidenciam como pretos e pardos (que compõem a população negra, de acordo com as estatísticas oficias) foram mais impactados do que brancos pela pandemia.
A renda, o número de horas trabalhadas e a taxa de participação no mercado de trabalho também caíram mais para esses grupos do primeiro para o segundo trimestre do ano, de acordo com os dados da FGV Social, com base na Pnad Contínua:
Renda
Pretos: -21,8%
Pardos: -21,4%
Brancos: -20,1%
Horas trabalhadas Pretos:
Pretos: -16,9%
Pardos: -15,2%
Brancos: -13,1%
Taxa de participação no mercado
Pretos: -9,3%
Pardos: -9,8%
Brancos: -7,2%
“São uma série de efeitos ligados ao esforço de trabalho que se somam. Não é só o desemprego. O desemprego (significa que) tem menos gente no mercado. Mais pretos e pardos saíram do mercado, e aqueles que continuaram no mercado, trabalharam menos horas”, afirma Neri. “São diferenças de 2 ou 3 pontos percentuais, mas que vão se acumulando. Você vai ver que a diferença (entre negros e brancos) não é de 1,5 (ponto percentual). A diferença é de 5, em termos do esforço de trabalho.”
Diferença ainda deve aumentar
Para os economistas é provável que a situação piore ainda mais em um futuro próximo.
Marcelo Neri diz que o aumento no desemprego poderia ser ainda maior se não fosse a medida emergencial do governo que permitiu que as empresas reduzissem a jornada e salário de parte de seus funcionários, como contrapartida para manutenção dos empregos. A medida, porém, é temporária.
“Talvez esses efeitos (no mercado) que a gente esteja vendo agora, que são efeitos muito fortes, sejam só o começo. A gente fala ‘a taxa de ocupação caiu 9,9% (no segundo trimestre), nunca caiu tanto’. Mas se a jornada não tivesse caído, (a taxa de ocupação) teria caído 22%. Então poderia ser pior. Só que o problema é que não está se dando uma solução definitiva para isso, até porque os recursos fiscais são limitados”, afirma o diretor da FGV Social.
Mário Rogério Silva diz que a perspectiva do fim do auxílio emergencial também irá impactar principalmente a população negra, que compõe a maior parte dos trabalhadores informais —um dos grupos beneficiados pelo auxílio.
“Isso só vai aprofundar essa crise que vem caminhando tão fortemente, que está afetando desigualmente a população. A população negra tem tido um impacto muito forte e a gente não consegue visualizar um caminho melhor se o governo não repensar essa distribuição de renda e esse apoio que, apesar de pequeno, é tão importante para as famílias de baixa renda”. afirma o economista.
Fonte: UOL