Segundo a Pnad Contínua, do IBGE, 8,5 milhões de mulheres tinham deixado a força de trabalho no terceiro trimestre de 2020 (último dado disponível), na comparação com o mesmo período do ano anterior.
Esse movimento rumo à inatividade –situação em que a pessoa não trabalha nem procura uma ocupação– fez com que mais da metade da população feminina com 14 anos ou mais ficasse de fora do mercado de trabalho. A taxa de participação na força de trabalho ficou em 45,8%, uma queda de 14% em relação a 2019.
Na comparação com o primeiro trimestre, antes dos efeitos da pandemia tomarem conta da economia e da vida social das famílias, o número de trabalhadores fora da força de trabalho teve um incremento de 11,2 milhões de pessoas. Dessas, sete milhões eram mulheres.
Apesar da retomada do mercado formal no segundo semestre (embora as vagas criadas não tenham sido suficientes para repor as perdidas no início da pandemia) e mesmo do informal registrar crescimento, as vagas abertas no fim de 2020 ainda podem levar mais um tempo para repor a participação de mulheres em postos de emprego.
Segundo especialistas, a recuperação também será mais heterogênea, pois chegará depois às mulheres mais pobres e com menos qualificação. No emprego formal, o Caged (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados) mostra que, enquanto no ano passado 230,2 mil vagas criadas foram ocupadas por homens, as mulheres perderam 87,6 mil postos.
De abril a dezembro, os nove meses inteiramente sob a crise sanitária, o saldo de vagas ficou positivo em 168 mil para eles. As mulheres tiveram 94,9 mil colocações eliminadas.
Parte do que explica esse quadro é anterior à pandemia e é o que os pesquisadores chamam de questões estruturais, como a desigualdade na inserção das mulheres no mercado e a maior rotatividade entre elas.
Em momentos de choque, como foi a pandemia, grupos mais vulneráveis são os mais rapidamente atingidos.
Segundo a economista Diana Gonzaga, da UFBA (Universidade Federal da Bahia), também são muito afetados por essas crises os jovens, a população negra e aqueles com baixa qualificação.
Ainda nas questões estruturais está o conjunto de normas sociais que atribui às mulheres a responsabilidade –se não toda, a maior parte– pelos cuidados domésticos e com filhos.
A esse fator soma-se outro, conjuntural: a falta de um plano sólido e seguro para reabertura de creches e escolas.
“A pandemia vem penalizando triplamente as mulheres. Além das questões que afetam todos os grupos, como perda de renda e emprego, cai sobre elas grande parte dos cuidados com filhos e casa”, disse Diana Gonzaga.
Segundo a pesquisadora Solange Gonçalves, coordenadora do Grupo de Estudos em Economia da Família e do Gênero, ligado à Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), a saída de mulheres da força de trabalho é geralmente associada aos cuidados domésticos, com os filhos e com outras pessoas da família.
No caso dos homens, a saída para a inatividade está mais relacionada a problemas de saúde.
Mãe de duas crianças, de 8 e 3 anos, Ana Carolina Tinen Ueda, 32 anos, trabalha com cartonagens de luxo em uma pequena empresa familiar. Ela é o que o IBGE chama de trabalhador por conta própria com CNPJ, uma categoria de trabalho formal.
Antes da pandemia, o tempo dos filhos na escola era o período de produção no ateliê que montou em casa. As caixas e lembrancinhas são feitas a mão, uma por uma. Com os dois em casa, o tempo para o trabalho remunerado sumiu.
“Fico com eles 24 horas por dia. Quando as aulas online começaram, era tudo muito novo. Eles não sabiam mexer direito [no sistema para as aulas], a gente também não. E ainda eram os dois no mesmo horário, uma confusão”, disse.
O início das aulas em casa coincidiu com um aumento na demanda por pedidos de um dos produtos que ela fabrica.
“Tive que fechar a agenda porque não tinha condições de fazer e eles [os filhos] são a minha prioridade.” Na comparação com o volume de pedidos que assumia, hoje consegue atender cerca de um terço do que fazia antes. A economista Cecília Machado, professora da EPGE (Escola Brasileira de Economia e Finanças) da FGV, classificou a crise econômica atual como uma “she-cession”, em um trocadilho com a palavra recessão e o pronome she –ela, em inglês.
Em sua coluna na Folha, Cecília afirmou que a combinação de políticas de distanciamento social (que afetou setores como o de serviços) com o fechamento de escolas “é a receita perfeita para fazer das mulheres as maiores perdedoras desta recessão”.
Setores que concentram o trabalho feminino ainda não se recuperaram do choque da pandemia.
O comércio terminou o ano com saldo positivo de 8.130 vagas formais criadas, mas o setor de serviços eliminou 132,5 mil colocações com carteira assinada.
Segmento dominado pelas mulheres, o trabalho doméstico remunerado foi outro muito afetado pela crise sanitária, tanto pela necessidade de as famílias economizarem quanto pela recomendação de se reduzir contatos com outras pessoas.
No trimestre encerrado em novembro, o IBGE identificou uma melhora no emprego doméstico informal, quando comparado com o trimestre anterior. O incremento foi de 303 mil vagas.
Essa melhora, porém, não compensou o estrago deixado pela pandemia. Em relação ao ano passado, o saldo ainda está negativo em 1 milhão de postos de trabalho doméstico.
O retorno de 303 mil domésticas à atividade reflete o clima de otimismo existente até novembro, quando se acreditava que o pior momento da pandemia ficava no passado, e o auxílio emergencial já tinha caído à metade, de R$ 600 para R$ 300.
O auxílio emergencial, ao garantir uma renda a desempregados e informais, também permitiu que homens e mulheres ficassem fora da força de trabalho, ou seja, sem trabalhar e sem procurar colocação. O último crédito do benefício foi liberado há alguns dias.
Para a pesquisadora da UFBA, o fim do auxílio aparecerá na taxa de desemprego. “Durante o recebimento, muitas mulheres puderam não oferecer sua força de trabalho. Agora, isso muda.”
A Pnad até novembro já apontava um retorno ao mercado de trabalho, com 2,7 milhões de brasileiros deixando a inatividade. Ainda não é possível saber, no entanto, quantos são homens ou mulheres.
Na avaliação da pesquisadora Ana Luiza Barbosa, do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), os efeitos da atual crise serão muito mais heterogêneos para as mulheres do que para os homens.
As consequências do tempo fora do mercado de trabalho e na inatividade deverão variar de acordo com o tipo de emprego, de função e de vínculo –e isso está associado principalmente ao nível de renda e de escolaridade.
“Há as que estão empregadas e podem fazer home office, mas pensemos na que não tem essa opção, que era informal. É uma situação que atrasa o retorno à força de trabalho”, afirmou Diana Gonzaga, da UFBA. Para ela, a desigualdade regional também será agravada. Em estados do Nordeste, a taxa de participação das mulheres na força de trabalho já era de 45% antes mesmo da pandemia.
Fonte: Folha SP