A inflação não dará trégua em 2021 e deverá “respingar” no ano que vem, pelo menos segundo aponta o mercado financeiro por meio do Boletim Focus, divulgado, semanalmente, pelo Banco Central (BC). O último relatório, liberado nesta segunda-feira (23/8), elevou, pela vigésima vez consecutiva, a projeção do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA — a inflação oficial do país), desta vez de 7,05% para 7,11%. O aumento na expectativa da inflação para 2021 se distancia cada vez mais da meta de 3,75% estabelecida pelo Conselho Monetário Nacional e perseguida pelo BC para este ano, mesmo considerando a tolerância de 1,5 ponto percentual para cima, que estende o limite 5,25%.
Os fatores que têm elevado a inflação vão desde a crise sanitária, ainda presente em todo o mundo, aos ruídos políticos e fiscais no cenário doméstico, e à alta do dólar que, apesar de ter operado em queda nesta segunda-feira, segue a R$5,38/US$, apontam especialistas. Para Eduardo Velho, economista da JF-Trust, diante dessa pressão inflacionária, o país deverá se deparar com juros ainda maiores do que o previsto pelo mercado financeiro.
“Na ausência de indicadores de inflação e atividade doméstica, esperamos um viés de alta dos juros futuros, sobretudo na curva média e longa, com percepção de receita fiscal menor na Reforma Tributária, isenções fiscais de diesel e pressão por queda da tarifa de gasolina. Estimamos que a Selic de 8,5% não garante IPCA inferior a 4% em 2022, muito pelo contrário”, afirmou Velho, em relatório.
Outro motivo para o inchaço na inflação e, provavelmente, o principal, segundo Daniel Xavier, economista do Banco ABC Brasil, é o choque de preços de commodities. “A gente teve altas de preços relevantes de commodities agrícolas e industriais, que incluem grãos e petróleo, e nas commodities siderúrgicas. O petróleo, principalmente, subiu quase 50% nessa primeira metade do ano”, pontua.
Além disso, a retomada das atividades econômicas no Brasil tem gerado pressão no setor de serviços, o que também reflete na aceleração dos números apontados pelo Focus. “A economia tem melhorado, conforme as vacinações vão progredindo. As pessoas estão voltando ao padrão de consumo de antes, fazendo maior pressão dos itens de serviço”, conta Xavier.
Para conter essa demanda aquecida, o Comitê de Política Monetária (Copom) aumenta a taxa básica de juros (Selic), uma vez que os juros mais altos tornam o crédito mais caro, estimulando a poupança. A taxa básica é o principal instrumento utilizado pelo BC para tentar controlar a inflação. Atualmente, a Selic estabelecida pelo Copom é de 5,25% ao ano. A expectativa do mercado financeiro é de que a taxa encerre 2021 em 7,5%.
Segundo a última divulgação do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), no mês de julho, a inflação subiu 0,96%, sendo o maior resultado para o mês desde 2002, quando a alta foi de 1,19%. Com o aumento, o IPCA acumula alta de 4,76%, no ano, e 8,99%, nos últimos 12 meses. A análise do mercado financeiro divulgada, ontem, também traz expectativa para a cotação do dólar, que deverá se manter em R$ 5,10 este ano. Já no ano no próximo ano, a moeda norte-americana deve fechar em R$ 5,20, segundo a previsão.
Na avaliação de Eduardo Velho, a pressão do dólar deverá ser superior a R$ 5,40, aumentando a possibilidade de leilão de linha do BC. “O contexto de desvalorização das moedas emergentes e ajustes dos fluxos devem persistir, pois não se pode descartar por completo uma retirada mais rápida ou robusta de liquidez pelo Federal Reserve”, disse, referindo-se ao sistema de bancos centrais dos Estados Unidos.
Ruídos político-fiscais
Além das questões macroeconômicas, os ruídos políticos e fiscais refletem no cenário econômico e criam um ambiente de incertezas no mercado financeiro. O presidente da República, Jair Bolsonaro, mantém um ambiente de “política fiscal mais expansionista na margem”, ao sinalizar, por exemplo, o reajuste de R$ 300 no Bolsa Família e a redução do Imposto de Renda e dos tributos sobre o diesel, explica Eduardo Velho.
“Há especulações de que a queda do preço do petróleo para um novo patamar, na faixa de US$ 60 a US$ 65, possa induzir a pressão do Executivo sobre a Petrobras para reduzir de forma mais expressiva o preço da gasolina e evitar uma inflação mais elevada em 2021. O governo também ainda pode perder mais receita na tentativa de parlamentares de reduzir a alíquota na taxação de dividendos”, alerta o economista.
Na avaliação de Daniel Xavier, tanto as incertezas político-fiscais quanto parte da alta inflação deste ano deverão ficar para 2022, ano eleitoral. “Ela (inflação) tem um efeito sobre 2022, que é o que chamamos de efeito inercial. Conforme a inflação corrente fica mais pressionada, a tendência é de que isso se estenda para os meses à frente”, diz o economista.
De acordo com o último boletim Focus, a estimativa de inflação para 2022 é de 3,93% ao ano. Para 2023 e 2024, as previsões são de 3,25% e 3%, respectivamente. Daniel Xavier, explica que essa análise a médio e longo prazo é importante para a política monetária no país. “O BC está monitorando esses anos para calibrar a política monetária”, afirma.
Ao contrário da inflação, que teve alta na projeção do mercado, o Produto Interno Bruto (PIB) do país, tanto para 2021 quanto para os próximos anos, apresentou recuo. Conforme o relatório, a redução na expectativa para a economia em 2021 foi discreta, de 5,28% para 5,27%. Para 2022, o mercado financeiro diminuiu a previsão de avanço do PIB de 2,04% para 2,00%.
Confirmando os fatores apontados por especialistas, o mercado financeiro de investimentos tem operado com cautela frente aos resultados negativos no mercado externo e aos ruídos sobre riscos políticos e fiscais em Brasília. Com 118.052 pontos, o Ibovespa encerrou a última semana com perda acumulada de 2,5%. Nesta segunda, mais uma queda de 0,49% foi registrada, com recuo do índice para 117.471 pontos.
Fonte: Correio Braziliense