Crise provocada pela covid-19 faz crescer o número de casos de descumprimento de contratos de aluguéis e de trabalho, ações contra planos de saúde e pedidos de recuperação judicial de empresas. Especialistas preveem acúmulo de processos nos tribunais
De acordo com juízes e advogados, o país precisa desenvolver a cultura de buscar acordos entre as partes (foto: Minervino Junior/CB/D.A Press )
O Judiciário brasileiro tem a fama de ser caro e lento. Mas, com a pandemia do novo coronavírus, a situação pode piorar. Especialistas ouvidos pelo Correio avaliam que a flexibilização do isolamento deve resultar em um acúmulo de processos que podem sobrecarregar juízes e tribunais. Um dos motivos é a impossibilidade, ou ao menos a dificuldade de acessar os meios jurídicos para garantir os direitos em razão da quarentena, algo que poderá ser feito em massa com o relaxamento das restrições sanitárias.
Em entrevista ao programa CB.Poder na semana passada, a presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), Renata Gil, afirmou que se espera um “tsunami de ações” no período pós-pandemia, e que será preciso buscar saídas para diminuir as consequências. “Sabemos que há uma demanda reprimida, porque as pessoas não puderam buscar as defensorias públicas e advogados. Quando elas puderem voltar à convivência social, esses direitos serão buscados e a Justiça terá ainda mais demandas”, destacou.
Entre as maiores preocupações estão os processos relacionados a aluguéis ou despejos e ações trabalhistas, uma vez que a crise financeira gerou um alto número de rescisões de contratos de prestação de serviços e de trabalho. De acordo com o Ministério da Economia, o número de pedidos de seguro-desemprego, na primeira metade de junho, passou de 350 mil. Desde o início do ano, foram 3,6 milhões.
Para Henrique Ávila, conselheiro do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), haverá também muitos processos em áreas diretamente afetadas pela pandemia, como o setor de saúde. Mas, indiretamente, vários outros tipos de ações devem aparecer, como reflexo da crise. “A Justiça tem que procurar meios para lidar com essa alta demanda que está vindo. Além dos impactos decorrentes da própria doença, como processos contra o Estado e planos de saúde, por exemplo, há o efeito indireto decorrente do impacto econômico. Hoje, há muito atraso de aluguel e empresas com dificuldade de pagar salários.”
Segundo Ávila, os magistrados brasileiros são poucos — quando se considera o alto número de processos existentes —, mas se destacam pela eficiência. “A Justiça brasileira está preparada. Os atuais 18 mil juízes são, estatisticamente, os mais produtivos do mundo. Entretanto, já existem cerca de 80 milhões de causas no Judiciário. Com essa onda que promete vir, precisaremos aprimorar e recorrer a soluções como a mediação e a conciliação”, defende Ávila.
O conselheiro do CNJ afirma que, no Brasil, ainda não há uma cultura de resolução de impasses de forma extrajudicial. Isso resulta num excesso de processos em casos nos quais seria possível buscar acordos entre as partes. A mudança dessa cultura, segundo ele, depende muito do próprio Poder Judiciário. “A Justiça tem que aumentar sua estrutura para mostrar à sociedade que é muito mais fácil buscar diálogo com a outra parte. É preciso conscientização, e que as instituições trabalhem favoravelmente para que, em toda causa, a primeira opção seja procurar acordo”, pontua.
Segundo o especialista, para tentar diminuir os impactos de uma judicialização em excesso, o CNJ está desenvolvendo, desde antes da pandemia, uma plataforma de mediação on-line.
Represamento
Na avaliação do advogado Leandro Rufino, sócio fundador da Rufino & Rebuá Advogados, além da incerteza sobre a duração do isolamento, é difícil medir o impacto das ações represadas, pois muitas dependem de audiências presenciais para tramitar. “Temos também uma gama de processos que estavam com audiências marcadas, mas foram desmarcadas por conta da pandemia”, pondera o especialista em direito empresarial.
No caso de ações envolvendo locações, o advogado sugere a negociação entre as partes. Em caso de processos de redução do aluguel, por exemplo, o pedido normalmente é acatado pelo juiz de primeira instância. Se, na segunda instância, meses depois, ficar decidido que deve ser pago o valor integral, o inquilino terá que quitar a diferença, além de arcar com juros. “Sempre é melhor negociar entre as partes. A Justiça tem que ser substitutiva, tem que atuar quando o acordo não acontece, e não ser o primeiro caminho”, destaca Rufino.
Expectativa é de que a quantidade de processos trabalhistas também aumente, como explica André Santos, vice-presidente da Associação dos Advogados Trabalhistas do DF. “O número de ações já aumentou e deve crescer ainda mais, pois há muitas empresas que têm demitido o funcionário sem pagar a rescisão de forma correta”, informa o advogado trabalhista do escritório Borba e Santos.
*Estagiário sob supervisão de Odail Figueiredo
Fonte: Correio Braziliense