Proposta cria gatilhos fiscais e institui a chamada “cláusula de calamidade”, exigida pela equipe econômica para a concessão de uma nova rodada do benefício
O plenário do Senado Federal aprovou, nesta quarta-feira (3), por 62 votos a 16, texto-base da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) Emergencial, apontada pelo governo federal como fundamental para viabilizar a concessão de uma nova rodada do auxílio emergencial, diante do recrudescimento da crise do novo coronavírus no país.
A PEC ainda precisa ser submetida a mais um turno de votação na casa legislativa, marcada para amanhã, às 11h (horário de Brasília). Superada esta etapa, ela deve seguir para apreciação da Câmara dos Deputados, onde também precisará passar por dois turnos de votação em plenário, com apoio necessário de 3/5 dos membros. Caso aprovada, vai à promulgação pelo Congresso Nacional.
A proposta foi originalmente apresentada pela equipe econômica em novembro de 2019, como parte da chamada “Agenda Mais Brasil” – que também continha as PECs do Pacto Federativo e dos Fundos –, com a criação de instrumentos para conter a evolução dos gastos públicos. Nenhum dos textos avançou até o início da pandemia.
Com a crise sanitária, o tema entrou em discussão como caminho possível para a construção de um novo programa de renda mínima pelo governo para suceder o auxílio emergencial, encerrado em dezembro do ano passado, liberando espaço no Orçamento para a medida.
A ideia do novo programa, contudo, foi abortada pelo próprio presidente Jair Bolsonaro (sem partido) em poucos meses. Mas o aumento do número de casos e óbitos provocados pela Covid-19 na virada do ano ampliou a pressão por uma nova rodada de auxílio emergencial.
Como contrapartida para a disponibilização do benefício, a equipe do ministro Paulo Guedes (Economia) resgatou pontos presentes nas três PECs e passou a defender a aprovação de uma “cláusula de calamidade”, com regras a serem seguidas em qualquer situação de calamidade pública decretada (seja uma pandemia ou mesmo uma guerra).
Entre os mecanismos previstos está a possibilidade do acionamento de “gatilhos fiscais”, que também poderiam ser aplicados caso as despesas correntes de União, estados ou municípios atinjam a marca de 95% das despesas totais em período de 12 meses.
É facultado aos entes a possibilidade de aplicação de todas ou algumas medidas indicadas já no momento em que a relação atingir 85%. Neste caso, a medida perderá eficácia quando rejeitada pelo Poder Legislativo ou quando transcorrido prazo de 180 dias “sem que se ultime a sua apreciação”.
Pelas projeções da Instituição Fiscal Independente (IFI), órgão ligado ao Senado Federal, o patamar seria alcançado pelo governo federal apenas em 2025. Mas boletim dos entes subnacionais indica que, pelos dados de 2019, 14 estados poderiam lançar mão do instrumento imediatamente após promulgação da PEC.
Eis as vedações previstas nos gatilhos da proposta:
- a) Concessão, a qualquer título, de vantagem, aumento, reajuste ou adequação de remuneração de membros de Poder ou de órgão, de servidores e empregados públicos e militares, exceto dos derivados de sentença judicial transitada em julgado ou de determinação legal anterior ao início da aplicação das medidas;
- b) Criação de cargo, emprego ou função que implique aumento de despesa;
- c) Alteração de estrutura de carreira que implique aumento de despesa;
- d) Admissão ou contratação de pessoal, a qualquer título, ressalvadas:
as reposições de cargos de chefia e de direção que não acarretem aumento de despesa;
2. as reposições decorrentes de vacâncias de cargos efetivos ou vitalícios;
3. as contratações temporárias de que trata o inciso IX do art. 37; e
4. as reposições de temporários para prestação de serviço militar e de alunos de órgãos de formação de militares; - e) Realização de concurso público, exceto para as reposições de vacâncias previstas na alínea “d”;
- f) Criação ou majoração de auxílios, vantagens, bônus, abonos, verbas de representação ou benefícios de qualquer natureza, inclusive os de cunho indenizatório, em favor de membros de Poder, do Ministério Público ou da Defensoria Pública e de servidores, empregados públicos e militares, ou ainda de seus dependentes, exceto quando derivados de sentença judicial transitada em julgado ou de determinação legal anterior ao início da aplicação das medidas de que trata este artigo;
- g) Criação de despesa obrigatória;
- h) Adoção de medida que implique reajuste de despesa obrigatória acima da variação da inflação;
- i) Criação ou expansão de programas e linhas de financiamento, bem como remissão, renegociação ou refinanciamento de dívidas que impliquem ampliação das despesas com subsídios e subvenções;
- j) Concessão ou ampliação de incentivo ou benefício de natureza tributária;
O texto, relatado pelo senador Marcio Bittar (MDB-AC), sofreu uma série de desidratações até encontrar o apoio necessário para ser votado. Uma das primeiras medidas previstas na versão original a cair nas negociações foi dispositivo que permitia redução proporcional e temporária de salários e jornadas de servidores públicos.
Atendendo a pedidos de líderes partidários, o relator retirou do texto a desvinculação dos mínimos constitucionais para Saúde e Educação, após forte pressão de setores da sociedade civil. Também ficou de fora trecho que extinguia os repasses do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), a partir das contribuições do PIS/Pasep, ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
Outro item que saiu do texto falava em “necessidade de observância do equilíbrio fiscal intergeracional”, considerado pouco claro pelos congressistas e que poderia abrir brecha para alterações em benefícios previdenciários no futuro.
A PEC autoriza que o Poder Executivo Federal adote processos simplificados de contratação de pessoal, em caráter temporário e emergencial, e obras, serviços e compras, desde que com o propósito exclusivo de enfrentamento do contexto da calamidade pública e de seus efeitos econômicos, no seu período de duração.
Nestas condições, as proposições legislativas e atos do Poder Executivo com propósito exclusivo de enfrentar a calamidade e suas consequências, desde que não impliquem despesa obrigatória de caráter continuado, ficam dispensados da observância das limitações legais quanto à criação, à expansão ou ao aperfeiçoamento de ação governamental que acarrete aumento de despesa e à concessão ou à ampliação de incentivo ou benefício de natureza tributária da qual decorra renúncia de receita.
Também há uma flexibilização temporária em regras fiscais, com a dispensa da vedação de operações de créditos que excedam o montante das despesas de capital, durante a integralidade do exercício financeiro em que vigore a calamidade pública de âmbito nacional, a dispensa de limites e restrições para a contratação de operações de crédito no período e a possibilidade de o superávit financeiro apurado no ano anterior ser destinado à cobertura de despesas com medidas de combate à calamidade pública nacional e do pagamento da dívida pública.
A versão aprovada pelos parlamentares estabelece, ainda, que o presidente encaminhe ao Congresso Nacional, em até seis meses após a promulgação da emenda constitucional, plano de redução gradual de incentivos e benefícios federais de natureza tributária, acompanhado das correspondentes proposições legislativas e das estimativas de impactos orçamentários e financeiros.
Os cortes deverão ser de pelo menos 10%, para o exercício em que forem encaminhados, em relação ao ano anterior. Em oito anos, o montante oriundo dos benefícios e incentivos não poderá ultrapassar 2% do Produto Interno Bruto (PIB). Ficam fora do cálculo incentivos e fundos de desenvolvimento regional, o Simples Nacional, a Zona Franca de Manaus, entidades sem fins lucrativos, a cesta básica e o Prouni.
Auxílio emergencial
O texto aprovado também fixou em R$ 44 bilhões o limite para custeio da nova rodada do auxílio emergencial – a ser pago via crédito extraordinário, fora do teto de gastos, regra constitucional que limita a evolução das despesas de um ano à inflação do ano anterior.
“Julgamos importante que a flexibilização das regras fiscais, autorizada unicamente para o exercício de 2021, tivesse um limite quantitativo claro. Na redação anterior, não constava tal limite, o que poderia trazer incertezas quanto à trajetória fiscal, com prejuízos ao ambiente econômico”, disse Bittar.
“Assim, estabelecemos o valor de R$ 44 bilhões como o montante máximo que poderá ser excepcionalizado das regras fiscais para fins da renovação do auxílio emergencial”, explicou em complementação de voto.
O presidente Jair Bolsonaro tem defendido que a nova rodada do benefício consista em quatro parcelas de R$ 250. No ano passado, o programa atendeu cerca de 67 milhões de pessoas, entre desempregados, trabalhadores informais e beneficiários de programas sociais. Inicialmente projetado para durar três meses, com parcelas de R$ 600 (ou R$ 1.200 para as mães chefes de família), ele foi estendido para o total de cinco parcelas e, em setembro, sofreu nova prorrogação, com a redução das parcelas para R$ 300.
Fonte: Infomoney