Para atender ao desejo do presidente de fixar em R$ 300 o benefício mensal do Renda Brasil, programa que vai substituir o Bolsa Família, o ministro propõe acabar com abatimentos com saúde e educação no Imposto de Renda
A poucos dias para o fim do prazo para finalizar a proposta do Orçamento de 2021, o governo não está encontrando espaço para incluir o programa Renda Brasil do tamanho que o presidente Jair Bolsonaro quer. A vontade do chefe do Executivo é pagar, pelo menos, R$ 300 por mês para os beneficiários do programa que vai substituir o Bolsa Família. O ministro da Economia, Paulo Guedes, por sua vez, diz que há espaço para um benefício de R$ 247. Para chegar ao valor pretendido pelo presidente, uma das propostas do chefe da equipe econômica é acabar com as deduções do Imposto de Renda Pessoa Física (IRPF) — o que gera mais confusão sobre como o governo vai realmente financiar o programa.
O Renda Brasil divide opiniões dentro da equipe econômica, e Guedes também não consegue fechar a conta. Ele vem sugerindo aos interlocutores a extinção de programas sociais que considera ineficientes, como o abono salarial, o seguro-defeso e o Farmácia Popular. Contudo, não há certeza de que isso seria suficiente. Além disso, medidas desse tipo exigem tempo e articulação política, algo de que nem Guedes nem Bolsonaro dispõem com facilidade. Qualquer mudança nesses programas vai precisar de um acordo com o Congresso. O Orçamento é muito engessado com despesas obrigatórias, tem pouca margem de manobra, e a certeza entre analistas é de que o novo valor que Bolsonaro deseja para o programa deve estourar o teto de gastos.
O custo anual das deduções do IR, pelas estimativas de técnicos ouvidos pelo Correio, é de R$ 15,1 bilhões com saúde, e de R$ 4,2 bilhões com educação. Somados, os valores são menos da metade da previsão de R$ 59,2 bilhões com renúncia fiscal para IRPF na Proposta de Lei Orçamentária Anual (PLDO), de 2021, e podem não ser suficientes para custear o Renda Brasil.
Parte da equipe econômica defende a revisão das deduções do IR porque ela beneficia, principalmente, os mais ricos. Contudo, há quem afirme que as deduções atendem, predominantemente, a classe média, que é quem paga mais imposto do que os ricos.
Uma das saídas apontadas pelo Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Sindifisco) é a taxação de dividendos. O órgão calcula que a medida pode gerar de R$ 50 bilhões a R$ 80 bilhões de arrecadação por ano. “O que o ministro Guedes diz quando propõe o fim das deduções do IR é ‘vamos tirar da classe média para financiar os mais pobres’. Não está correto, porque a classe média assalariada já paga muito imposto”, disse o presidente da Sindifisco, Kleber Cabral.
O Renda Brasil visa garantir uma renda básica superior aos R$ 190 que hoje são pagos pelo Bolsa Família para os pouco mais de 19 milhões de brasileiros cadastrados no programa, e incluir até 8 milhões de “invisíveis” encontrados com o auxílio emergencial de R$ 600. O programa pode custar R$ 97 bilhões por ano, caso o valor do benefício seja de R$ 300, segundo economistas ouvidos pelo Correio. E é a aposta de Bolsonaro para pavimentar a reeleição.
O senador Marcio Bittar (MDB-AC) pretende incluir o Renda Brasil na medida legislativa que deve fundir duas propostas de emenda à constituição (PECs): a do Pacto Federativo e PEC Emergencial. Esta última prevê uma série de “gatilhos”, mecanismos automáticos de corte de despesas que seriam acionados caso haja risco de descumprimento do teto de gastos. Contudo, isso exigirá muita negociação com o Congresso e uma campanha de convencimento da sociedade, alertam analistas. Bittar também será o relator do Orçamento, que precisa ser enviado pelo Executivo ao Legislativo até o dia 31.
Em meio ao impasse dentro do governo e à falta de espaço no Orçamento, a Frente Parlamentar Mista em Defesa da Renda Básica chegou a apresentar uma proposta pela qual seria possível liberar cerca de R$ 120 bilhões do Orçamento por meio da revisão de programas, como o abono salarial, do remanejamento de recursos que hoje estão parados em fundos públicos e da revisão de benefícios fiscais. “Mostramos que existem várias fontes de financiamento disponíveis. Agora, passa por uma decisão política do governo”, avisou o vice-presidente da Frente, o senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE).
Alessandra Ribeiro, sócia da Tendências Consultoria prevê aumento de 3,8 milhões de pessoas nas classes D e E devido à recessão provocada pela pandemia — com potencial de serem novos beneficiários do Renda Brasil. Ela demonstra preocupação com a dificuldade para o governo encontrar recursos para o novo programa. Segundo a economista, se Bolsonaro quer mais do que R$ 247, isso poderá gerar um custo adicional anual de R$ 30 bilhões a R$ 40 bilhões. “É um incremento de gastos permanente que torna o cumprimento do teto muito difícil já no ano que vem”, disse.
Fonte: Correio Braziliense